segunda-feira, 28 de junho de 2010

Dentista passa em concurso, mas é barrada por marca-passo

Conheça o drama de quem passa num concurso público e não consegue a vaga por causa de um exame médico.
Uma dentista tinha um objetivo: passar num concurso público. Estudou durante três anos e passou num concurso para agente fiscal. Mas na hora do exame de admissão, ela simplesmente foi reprovada. Sabe por quê? Porque ela tem um marca-passo.Está certo isso?
Foram três anos estudando duro até Adriana Arakaki finalmente ver o nome publicado no Diário Oficial. Em 2009, ela passou num concurso para agente fiscal do estado de São Paulo, mas na hora do exame médico foi reprovada. O laudo sustenta que, sob estresse, ela pode sofrer acidentes cardíacos.
“Eu acho que eles não deviam falar isso. Eles não são deuses pra saber quando que a gente vai morrer”, diz a ex-dentista Adriana Arakaki.
Adriana tem uma doença rara conhecida como Síndrome do QT Longo, que pode provocar morte súbita. Por isso, desde 2002, ela usa um marca-passo desfibrilador. O marca-passo mantém a frequência do coração. O desfribilador, se necessário, dá um choque elétrico para restaurar o ritmo cardíaco.
Em nota, a Secretaria Estadual de Gestão afirma: pessoas com marca-passo não estão aptas a trabalhar no serviço público. O Fantástico conversou com cardiologistas, advogados, procuradores e agentes fiscais para saber: afinal, Adriana pode assumir o cargo? O cardiologista José Carlos Pachón, médico que dirige o serviço de marca-passo da Secretaria Estadual de Saúde, garante que sim.
“Hoje a incidência de morte súbita nessas pessoas, desde que sejam bem tratadas, é muito baixa. Com o desfibrilador, a chance é praticamente nula. Se ela conseguiu passar por todo esse desgosto sem ter arritmia, significa que o tratamento que foi feito foi muito bem feito e está sendo muito bem conduzido. Também significa que ela está totalmente protegida e em condições de trabalhar”, afirmou o cardiologista José Carlos Pachón.
“Acredito que a Adriana estaria apta [para exercer a função]. A gente tem conhecimento de que diversos colegas agentes fiscais de rendas são portadores de marca-passo e não tem problema no desempenho da função, absolutamente”, acrescentou Ivan Neto Moreno, presidente do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do estado de São Paulo.
Se houvesse problema, o veto a portadores de marca-passo precisaria estar claro no edital do concurso, de acordo com o advogado Antonio Carlos Bratefixe Junior.
"Nesse caso, o edital é vago. Ele fala sobre aptidões físicas e mentais. É muito subjetivo. Ele poderia limitar essa pessoa que tem um problema cardíaco, como ele poderia limitar uma pessoa que tem outro tipo de problema que também não influencia diretamente no cargo que ela vai exercer”, acredita o advogado.
A procuradora do Trabalho Adélia Augusto Domingues também discorda da reprovação de Adriana no exame médico.
“A mim, me parece que é um ato discriminatório. O que é a discriminação? É você considerar as características de uma pessoa como motivos para deixar que ela não exerça um direito que todos temos ou dificultar o exercício desse direito”, defende a procuradora.
“Só porque tenho um marca-passo. Eu não sou incapaz de trabalhar. Eu estudei, concorri com 40 mil candidatos na prova e fui uma das classificadas. Então, eu tenho esse direito. Eu não sou uma inválida. Por isso, eu quero trabalhar”, afirmou a ex-dentista Adriana Arakaki.
O Fantástico veio até Mato Grosso do Sul para contar uma historia parecida com a de Adriana. Mas em Campo Grande o caso envolve uma pedagoga que é deficiente visual. Pela lei, 5% das vagas de qualquer concurso público são destinadas a pessoas com deficiência.
Foi nessa reserva de vagas que a pedagoga Telma Nantes passou em um concurso municipal para ser professora de educação infantil. Mas o laudo de uma equipe formada por um pedagogo, um psicólogo e um oftalmologista concluiu: ela não tem condições de cuidar de uma sala de aula com crianças.
“Um órgão público que devia fazer a política de inclusão é o primeiro a excluir. Eu fui vítima de um preconceito, da discriminação e até mesmo da humilhação”, acredita a pedagoga.
O procurador Valdeci da Silva, que fala em nome do prefeito, diz que não se trata de discriminação. “Ela não está apta não por ser deficiente física visual. Ela não está apta, porque o grau de deficiência dela não é compatível com as especificidades que se exige para o desempenho do cargo”, alegou o procurador.
Em Curitiba, o Fantástico encontrou outra história: a de Ricardo Marques da Fonseca. Por ser cego, ele já foi vetado em um concurso para juiz. Hoje é desembargador federal do Trabalho e tem uma opinião bem clara sobre o assunto.
“Eu tenho defendido que, na verdade, todo candidato não pode ser pré-avaliado. Acho que o concurso público é um direito de qualquer brasileiro de fazer as provas e, em caso de aprovação, tomar posse e ser avaliado efetivamente no estágio probatório. Qualquer avaliação antecipada é preconceituosa. Foi o meu trabalho que me trouxe aqui. Não foi a falta da visão”, afirmou o desembargador Ricardo Marques da Fonseca.
Adriana entrou com recurso administrativo e desde abril espera uma resposta da Secretaria de Gestão de São Paulo. Telma está processando a prefeitura de Campo Grande por danos morais.

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