segunda-feira, 14 de março de 2011

Raridade: Provas Discursivas do último AFRFB 2009

Temas e Questões de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil - AFRFB
Temas: de 40 a 60 linhas.
Questões: de 15 a 30 linhas.

PROVA 1
Tema 1 - Direito Tributário

O Supremo Tribunal Federal tem entendido que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1o, inciso I, da Lei n° 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. Sobre o lançamento tributário:

a) conceitue-o, mencionando, entre outros aspectos, a competência para efetuá-lo, seus requisitos e sua finalidade;

b) explique e exemplifique as suas diferentes modalidades;

c) para cada modalidade de lançamento, mencione o prazo que possui a autoridade administrativa para efetuá-lo, e quando se dá o termo inicial da contagem desse prazo; e

d) cite as hipóteses em que, de acordo com o Código Tributário Nacional, admite-se a revisão do lançamento por parte da autoridade administrativa.

Questão Discursiva 1 - Direito Constitucional e/ou Administrativo

Considerando as atribuições inerentes aos ocupantes do cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e partindo-se da idéia da divisão de funções entre os três Poderes do Estado, podendo-se, assim, afirmar, em sentido amplo, que todo ato praticado no exercício da função administrativa é ato da Administração, desenvolva, objetivamente, um texto abordando os seguintes tópicos:

a) produção de efeitos jurídicos do Ato Administrativo;

b) o ‘motivo’ do ato administrativo e os conceitos jurídicos indeterminados;

c) a convalidação do ato administrativo e seus efeitos.

Questão Discursiva 2 - Auditoria
Considerando a classificação de riscos apresentada na Matriz de Risco abaixo e estabelecendo que a mesma representa respectivamente a ocorrência de riscos das Áreas de: [1] imobilizado, [2] contas a receber e [3] estoques, elabore uma redação abordando os níveis de riscos apontados na matriz em relação aos testes de circularização e inventário físico, a serem aplicados, justificando a resposta.

Matriz de risco:

[1]
Nível de Risco Baixo e Probabilidade de Ocorrer Baixa
[2]
Nível de Risco Médio e Probabilidade de Ocorrer Baixa
[3]
Nível de Risco Alta e Probabilidade de Ocorrer Alta


PROVA 2
Tema 2 - Comércio Internacional

O comércio internacional é considerado importante propulsor do desenvolvimento econômico. Face a um ambiente externo cada vez mais competitivo, os governos atuam, por meio de suas políticas comerciais, no sentido de fomentar condições e otimizar oportunidades de desenvolvimento relacionadas ao comércio internacional. Com base nessa assertiva, discorra sobre a relação entre comércio internacional e desenvolvimento, considerando detidamente os seguintes aspectos:

a) a importância dos acordos e regras da Organização Mundial do Comércio;

b) o papel dos sistemas preferenciais e dos acordos regionais;

c) no caso brasileiro, a importância e funções dos regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais.


Questão Discursiva 3 - Administração Pública
A seguinte afirmativa está repleta de erros conceituais. Identifique-os, fundamentando sua argumentação:
“Pelo fato de integrar, nos termos do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o chamado Núcleo Estratégico, a fiscalização tributária se reveste de um caráter eminentemente burocrático. Por conseguinte, seu processo de modernização deve ser refratário à incorporação de novas técnicas gerenciais, limitando-se ao desenvolvimento de ferramentas de acesso aos dados fiscais do contribuinte, a exemplo do que ocorre, há mais de uma década, com a declaração do imposto de renda via internet.”

Questão Discursiva 4 - Economia e Finanças Públicas
O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é um instrumento para a modernização do Sistema Tributário. Comente sobre os argumentos que sustentam a nova proposta de adoção do IVA, na revisão tributária, abrangendo os seguintes aspectos:

a) aspectos políticos;

b) aspectos econômicos e sociais;

c) aspectos administrativos;

d) aspectos financeiros.

Tema da Prova Discursiva para ATRFB/2009

Como Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, você foi lotado na Delegacia de Uruguaiana (RS). Para sua análise, foi apresentado o seguinte caso:

A empresa ZETA Hermanos Ltda., sediada em Rosário, Argentina, devidamente inscrita nos órgãos fi scais daquele país, remeteu a comprador brasileiro (GUGA Comércio e Importações Ltda.), sediado em São Paulo (SP), uma carga de n-butanol, composto químico para uso industrial. Chegando ao posto aduaneiro brasileiro, a carga não foi admitida, uma vez que a fiscalização exigiu Certificado de Origem, conforme portaria da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX/MDIC), e também comprovação do recolhimento de direitos antidumping aplicados às importações brasileiras de n-butanol originárias da Argentina e dos Estados Unidos, conforme resolução pertinente da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). O exportador ingressou com recurso administrativo contra o ato da fiscalização, alegando em síntese que:

a) a exigência da SECEX violava o Acordo sobre Regras de Origem e também o Acordo sobre Implementação do Artigo VI (Acordo Antidumping), ambos da Organização Mundial do Comércio (OMC), e em razão disso deveria ser ignorada pela fiscalização;
b) de qualquer forma, sendo o n-butanol produzido na Argentina, não lhe deveria ser cobrado direito antidumping;
c) ainda, que a não admissão da carga, pela fiscalização, violaria Decisão recente do Conselho do Mercado Comum (CMC) do Mercosul;
d) por fim, informava que também iria comunicar o fato ao governo argentino, que “imediatamente tomará as providências cabíveis nos tribunais internacionais”.

A partir da situação hipotética apresentada e considerando, ainda, os questionamentos abaixo, elabore uma dissertação, entre 40 a 60 linhas, emitindo seu pronunciamento a respeito, de acordo com a estrutura jurídica aplicável.

- O que são os acordos mencionados pelo Exportador nos itens a) e b)? qual o seu efeito na ordem jurídica brasileira?

- Qual o efeito de uma Decisão do CMC/Mercosul para um servidor público brasileiro? Em que hipótese ela deve ser cumprida?

- Como está organizado o sistema de solução de controvérsias no Mercosul?

- O governo argentino poderia, se desejasse, levar este caso a que foro(s)?

quarta-feira, 2 de março de 2011

O QUE É A LEI SE O MAJOR (NÃO) QUISER?

Sobre a suspensão dos concursos no Executivo federal por um ano e o desrespeito ao art. 37 da CF, a quem estuda para concurso e à população.

William Douglas*

"Nas “Memórias de um Sargento de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida, três senhoras vêm à casa do Major Vidigal, que era o chefe de polícia, para pedir a condescendência dele em relação a um jovem soldado. O major fecha a carranca e diz que não pode fazer nada porque existe uma lei. Uma das senhoras diz: “– Ora a lei... o que é a lei, se o Sr. major quiser?” Então, completa o autor: “o major sorriu-se com cândida inocência”.
Quando o assunto é prover os cargos vagos no Executivo federal, parece que o problema é outro: "Ora a lei... o que é a lei, se a Sra. Secretária não quiser?" (paráfrase minha).
Fiquei pasmado com a notícia vinculada na Agência Brasil, de que a secretária do Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Célia Correa, afirmou que “não vai ter concurso público nenhum este ano. Todos os concursos serão postergados”. Pior que isso, a secretária também afirmou que “até mesmo aqueles que tinham sido realizados e não tiveram curso de formação concluído, também serão postergados”.
Não conheço a secretária, e a crítica aqui não é pessoal, mas técnica. Não consigo imaginar como se pode querer parar a máquina estatal por um ano, nem como se pode tratar com tamanho menoscabo o atendimento aos deveres da Administração Pública, pondo-se em risco a continuidade e a qualidade dos serviços públicos.
Uma coisa é suspender concursos federais por uns poucos meses para fazer um estudo do que é mais urgente, e tal medida foi objeto de elogio meu em artigo recente. Outra coisa é parar todos os concursos por um ano, sem distinguir nenhuma prioridade. Mais irrazoável, e até mesmo cruel, é não nomear quem já passou, deixando-se em aberto vagas que precisam ser preenchidas. Isso é um desrespeito a quem estudou e passou, mas um desrespeito muito maior a quem precisa dos serviços públicos onde tais servidores são necessários.
Não quero crer que a secretária desconheça que os cargos que estão sendo providos, e as pessoas que serão nomeadas, não estão sendo chamadas "por esporte" ou diletantismo governamental. Os concursos estão preenchendo vagas criadas por lei. Não preencher tais cargos é descumprimento expresso da norma legal que criou as vagas e atentado contra a Constituição e o povo.
Não se diga, anoto, que há cortes a fazer. É óbvio que há cortes a fazer! Apenas não podem ser feitos dessa forma arbitrária, genérica e irrazoável. Não se pode cortar o orçamento sacrificando a população nem tornando inviável a prestação de serviços públicos essenciais tais como, só para dar exemplos seríssimos, os do INSS, PF e PRF.
Ao lado desse absurdo, anote-se outro: ignorar os casos especiais, os quais, em um primeiro momento, noticiou-se que seriam poupados. Veja-se, por exemplo, o caso do BACEN, onde a expectativa é de 900 aposentadorias neste ano. O BACEN tem sido elogiado internacionalmente e tem dado lucro. E então, Secretária? Vamos deixar o povo mal atendido no INSS, a população e as rodovias federais à mercê de traficantes e contrabandistas de armas e drogas, e o BACEN sem meios para continuar seu excelente trabalho?
Não posso acreditar que uma máquina do tamanho do Executivo federal será tratada como se fosse uma padaria, onde o dono pode decidir não contratar ninguém por um ano. O Executivo federal é grande demais, complexo demais, e tem responsabilidades demais para ser tratado dessa maneira. Não me parece ser razoável, nem adequado, uma suspensão geral como esta, anunciada quase com naturalidade, como se estivéssemos tratando, já disse, de uma padaria, e não de um governo que atende 180 milhões de pessoas.
Custa crer que as expectativas da população e das pessoas que se preparam para se tornarem servidores serão tratadas dessa forma. Mais que isso, que a lei que criou os cargos será ignorada. Não sei se a Secretária é concursada, mas, se for, deveria se lembrar de como é custoso se preparar para um concurso e, de repente, ouvir que o governo mudou de ideia e que – por um ano inteiro – não vai mais cumprir as leis nem realizar os concursos que a Constituição prevê.
O que a Sr.a Secretária quis dizer ao afirmar que fará concurso apenas se houver uma "emergência"? Será que desconhece que não dá tempo para fazer um processo seletivo quando a "emergência" aparece? Que o Estado tem que se precaver e prover os cargos antes das emergências? Será que ignora que atender bem no INSS, no SUS e ter polícia trabalhando já é uma emergência?
Outro ponto a ser anotado é que as pessoas aprovadas no concurso dentro do número de vagas, bem como aquelas que surgirem em razão de desistências, ou nas hipóteses em que o edital que anunciar que o concurso vai ser utilizado para o provimento das vagas existentes e que surgirem dentro do prazo de validade do concurso, têm o direito à nomeação dentro do prazo de validade, sendo um direito reconhecido pelo STF e STJ. O que quer o governo? Obrigar a assoberbar ainda mais de ações o Judiciário, e perder várias ações que se tornarão necessárias em virtude de sua atitude impensada?
Além disso, a medida pode gerar outras ações também no campo da improbidade. Como muitas atividades são contínuas, talvez queiram fazer, quando o problema estourar, contratação de pessoal terceirizado. Isto burla o princípio do concurso publico, em prática condenada por toda a doutrina e que já foi objeto de ações do Ministério Público e condenação pelos Tribunais de Contas. Será que vamos ter que ver essas irregularidades praticadas outra vez? O governo não pode criar a urgência pelas contratações temporárias, e esta é exatamente uma das consequências de interromper os concursos. Um exemplo disso é o que está acontecendo na FIOCRUZ e em Universidades Federais.
A arrecadação está aumentando, temos casos urgentes e inadiáveis de demandas por servidores; não se pode deixar de repor aposentadorias e exonerações. Enquanto isso, o Executivo federal trata a reposição como assunto menor. Inacreditável.
O dano a quem leva a sério a proposta de se tornar servidor não é maior porque tais pessoas, as que estudam para concurso, irão migrar para os concursos não suspensos: estaduais, municipais, do Judiciário federal, e das estatais. Mas há muito dano, apesar disso.
Indago: os concursandos podem ir para outro lugar (maldade, mas podem). Mas para onde irão os cidadãos que votaram na Presidenta eleita e que precisam ser atendidos de modo digno e eficiente pela Administração Pública Federal?
A notícia, caso seja corrigida, mostrará que está havendo a falta de cuidado devido ao se tratar de um assunto tão sério. Mas, menos mal. Mais bizarro será se a notícia for confirmada, pois mostrará falta de zelo com a lei e com a continuidade, qualidade e eficiência da Administração Pública da União, não só compromisso de campanha mas, muito mais que isso, dever constitucional (art. 37, caput, da CF).
Curioso, em relação aos reajustes salariais, haver sido noticiado que “Reajustes já formalizados não têm como não cumprir”. E a lei, Senhora Secretária, a lei que criou os cargos, tem como não ser cumprida? Ou serão a lei e a Constituição Federal meros detalhes se a Sra. Secretária assim o quiser?"

*William Douglas é juiz federal/RJ, mestre em Direito, especialista em políticas públicas e governo.